6 – O Sacramento da Penitência
Nos sacramentos eu
penso que podemos dizer que se realiza
sempre um encontro existencial entre o receptor do sacramento e Deus.
Este encontro intersubjetivo entre o homem e Deus se realiza muitas vezes
independentemente dos sacramentos, mas o importante é que acontece nos
sacramentos.
Nesta perspectiva
vamos considerar o sacramento da Penitência.
Certo penitente quer
reconciliar-se com Deus. Assim temos o encontro entre duas pessoas. Suponhamos
que este penitente tendo cometido um grave pecado e, assim insultado ao Deus
todo poderoso e separando-se do Corpo Místico, escutou o chamado de Deus que o
convida ao arrependimento. Ele se arrependeu e procurou um sacerdote a quem
confessou seu pecado, após ouvir as palavras da absolvição deixa o
confessionário e segue o seu caminho, tendo seu pecado perdoado.
Vamos prosseguir com uma analise
existencial deste exemplo.
Primeiramente, devemos
notar que estamos tratando aqui com um evento que por sua própria natureza
aconteceu num instante decisivo da vida de nosso penitente. Instante decisivo é
aquele no qual passado e presente se concentram. Neste instante nos assumimos
nosso passado e projetamos nosso futuro através de nossa decisão. Estes
momentos mostram a importância do presente em nossa vida.
Na vida espiritual é
no presente que nos respondemos a Deus, ou pelo “sim do amor”, pela recusa ao
pecado, a prática das virtudes e o arrependimento, ou pelo ”não do ódio”, pelo
pecado.
Devemos também
recordar que construímos e, em certo sentido, criamos nossa personalidade com
nossa liberdade, que é exercida durante toda a nossa vida, mas em particular
nas decisões tomadas nos instantes decisivos. É esta pessoa,criada através de
nossa liberdade, pela qual somos responsáveis e que deveremos apresentar a Deus
no “Instante decisivo”, o instante de nossa morte.
Em nosso exemplo
dissemos que o penitente referido cometeu um sério pecado e o fez livre e
conscientemente e que assumiu sua responsabilidade por este pecado. Este tendo
sido um ato decisivo e ao mesmo tempo criativo (porque livre) afetou sua pessoa
e mesmo colocou em perigo sua salvação eterna. É desnecessário dizer que
estamos considerando uma pessoa que acredita em Deus e na vida eterna, pois
para um ateu esta análise não seria adequada.
A principal
característica do pecado eu penso, que é o orgulho espiritual que provoca a
recusa ao amor de Deus ou, em outras palavras, o ódio pelo menos momentâneo a
Deus.
O penitente quando
procura confessar-se é um pecador, mas um pecador arrependido que se aproxima
de Deus humildemente para pedir-lhe perdão. Pela humildade reconhece-se
claramente indigno da amizade de Deus, amizade que ele livremente rejeitou, mas
que Deus nunca deixou de oferecer-lhe. Agora, aproxima-se de Deus pela Fé,
acreditando no poder de perdoar pecados que Cristo concedeu à Igreja. Com
esperança ele aproxima-se de Deus, esperando que Deus fosse aceita-lo novamente
e que escutaria seu pedido por perdão. Na Caridade e no Amor aproxima-se de
Deus, porque decidira aceitar a oferta de amizade de Deus que é Caridade.
Podemos perceber a intima relação que existe entre as três virtudes teologais:
sempre acreditamos, esperando e esperamos na caridade de Deus.
Agora devemos
considerar o papel do padre neste exemplo. Não estamos interessados nem no
papel de conselheiro espiritual que é exercido pelo padre no confessionário,
nem em seu papel como ministro de julgamento, embora estas funções são muito
importantes quer no aspecto psicológico, quer no jurídico deste
sacramento.
Ontologicamente,
e esta é a dimensão de nossa consideração, o padre é a testemunha. É importante
distinguir-se testemunha de espectador. O espectador assiste ao evento desde
fora, ele permanece no nível do problemático: a testemunha de alguma maneira
participa do evento. Sem nos aprofundarmos na análise da noção de testemunha,
gostaríamos de ressaltar a testemunha de um mártir. Ao testemunhar a Cristo, em
seu próprio martírio, de certa maneira participa do sacrifício do Calvário e
seus sofrimentos adquirem méritos em função desta mística participação.
Retornemos ao nosso
exemplo. O padre ouvindo a confissão do penitente coloca-se na presença do mesmo tendo em vista
o preciso movimento de Caridade pelo qual o penitente está pedindo perdão e
está retornando para Deus. Na verdade este fato nem sempre acontece no nível
psicológico e muitas vezes o padre não está consciente desta mudança íntima que
ocorre no mais íntimo recesso do penitente.
Contudo é
necessário lembrar-se que estamos analisando esta situação no nível do mistério
e do ontológico. Devido a união mística que existe entre os homens e que é
centralizada em Cristo e devido ao fato de que no mais profundo de seu ser o
homem é um ser místico, há uma certa relação mística entre os homens, Em nosso
caso, esta relação é de certa maneira intensificada e no nível místico nos
podemos dizer que o padre é sempre a testemunha do penitente, mesmo quando não
perceba tal fato. Além disso, ainda no nível mistico, o padre é o representante
da Igreja e do próprio Cristo. Agora quando o padre testemunha uma confissão,
ele o faz em favor do penitente, e através do padre é o próprio Cristo que
testemunha em favor do penitente.
Até aqui nos
consideramos o penitente e a testemunha do padre. Agora, nos devemos considerar
o papel de Deus em nosso exemplo. Não tem sentido tentar falar de Deus como se
soubéssemos o que Ele faria. Além disso, fazendo assim iríamos reduzir Deus a
um objeto no nível do problemático o que é absurdo, pretensioso e ridículo. Contudo, podemos focalizar na fé do penitente
e na fé da Igreja a fim de termos um ”insight” no papel desempenhado por Deus
no nosso exemplo.
Esta é uma analise
no nível místico iluminado pelas virtudes teologais e não pelas luzes da razão
pura e simplesmente.
Quando nosso penitente decidiu se
arrepender e se confessar, ele acreditava que era Deus que o estava chamando;
este chamamento de Deus pelo qual convida o pecador a retornar e gozar de sua
amizade é o que nós chamamos de graça. O padre depois de ouvir a confissão
testemunhou o arrependimento e a humildade do penitente e como representante da
Igreja e de Cristo testemunhou em favor do penitente; Deus ouve a prece da
Igreja e aceita o penitente uma vez mais entre seus amigos, Esta relação de
amizade que existe entre Deus e o homem e que é oferecida por Deus, a quem
pertence a totalidade da iniciativa, é a Graça.
Agora vamos mudar
um pouco nosso exemplo e vamos imaginar que o penitente fora confessar-se não
por estar arrependido de seus pecados, mas por razões puramente de ordem
social. E não só isso, mas durante a confissão ele não quis reconciliar-se com
Deus. Neste caso o padre ainda testemunha em favor do penitente e Deus uma vez
mais oferece sua amizade, a qual, contudo, o penitente recusa. Deus nunca força
o homem a aceitar sua oferta de amizade. A graça é oferecida por Deus em todas
as confissões; contudo, nem sempre é eficaz porque o homem permanece livre para
recusá-la.
Para ilustrar
numa linguagem existencial as considerações sobre o Sacramento da Penitência,
vamos fazer uma comparação entre os passos do pecador arrependido com a
parábola do Filho Pródigo. Na referida parábola Jesus começa nos dizendo que:
“Um homem tinha dois filhos, certo dia o mais
novo o procura e pede-lhe a parte da herança que lhe pertencia”, com este
pedido o filho mais novo peca, embora não esteja consciente disso, porque o pai
ainda vive e quer receber o que apenas lhe seria devido após a morte do pai;
este poderia não atender tal pedido, mas aceitando a atitude do filho e
respeitando sua liberdade o atende, porque muito o ama.
O filho
toma tudo o que pensa que lhe cabe por direito parte para terras distantes,
onde leva uma vida dissoluta com os
amigos que granjeia com sua riqueza e com as prostitutas. Mas quando, o
que se quer é o prazer da carne e as festas ruidosas e descompromissadas, o
dinheiro acaba. Agora ele procura os amigos, ou melhor, falsos amigos porque
apenas se interessavam por seu dinheiro, que não só se recusaram a ajudá-lo,
mas nem mesmo o reconheceram. A muito custo consegue emprego como guardador de
porcos e nem mesmo as bolotas que os porcos comiam lha davam.
Até
então nem mesmo se lembrara do pai, mas naquela situação extrema reconhece a
gravidade de sua atitude e diz: “Na casa
de meu Pai, até os empregados tem o que comer e o que vestir,eu voltarei e
direi ‘Pai, pequei contra o céu e contra ti, já não sou digno de ser chamado
seu filho... ’”. Para se obter o
perdão dos pecados é preciso primeiro arrepender-se, mas ninguém se arrepende
se não reconhece ser pecador, nesta parábola o filho caçula somente reconheceu
o haver pecado por ter deixado a casa do Pai, quando se sentiu abandonado e
desprezado por aqueles que fingiam serem seus amigos, foi então que percebeu a
catástrofe ocasionada por seu pecado, reconheceu-se pecador e imediatamente
decidiu retornar para o Pai.
Para a reconciliação com Deus e com a Igreja, o primeiro passo é
reconhecer seu pecado (Catástrofe), mas não basta é preciso o arrependimento (Catarsis), na parábola a decisão de
voltar para casa, para o penitente a decisão de confessar-se. Após é preciso
tornar a decisão realidade, o filho caçula retornou realmente para a casa do
Pai e, o pecador arrependido vai confessar-se com um sacerdote. É a (Metanóia), a conversão do pecador para
Cristo que se realiza. Resta agora cumprir a penitência, cumprir a promessa de
não mais pecar (Escaton) retornando
ao Corpo Místico para nele permanecer até a Parusia. Assim como recebeu o Filho
caçula que retornara o Pai também irá receber de braços abertos o pecador
arrependido.
Recebendo o filho que diz “Pai
pequei...”, mas, sem nem mesmo escuta-lo, o Pai diz aos seus criados. “Matai
o novilho mais gordo, porque meu filho estava morto e reviveu.”
O
Filho mais velho tendo retornado do trabalho e não compreendendo que a atitude
do Pai foi determinada por seu grande amor não a aprovou e, não quis acolher
seu irmão, isto infelizmente acontece quando a comunidade não quer acolher um
irmão que retorna arrependido de seus pecados.
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