10. – O Corpo Místico e as
Religiões não cristãs
Não encontramos
nenhuma dificuldade no estudo da doutrina do Corpo Místico de Cristo, se nos a
focalizarmos num sentido abrangente incluindo os diversos ramos do
cristianismo, pois as diferenças existentes entre as religiões cristãs são em
sua maioria de caráter jurídico e estrutural; poucas são as divergências
doutrinárias e, além disso, os principais dogmas, como a divindade de Cristo,
sua Encarnação, a Redenção e a Ressurreição são aceitos por todas.
Também não
nos parece difícil conciliar esta doutrina com o judaísmo, porque são nítidas
as relações entre o cristianismo e toda a história do povo hebreu; Abraão,
Moisés, David, os profetas e outras figuras importantes do AT são venerados e
cultuados pelo cristianismo; sendo Cristo, o Messias anunciado e prometido, que
veio cumprir as promessas de Javé para com seu povo. Além disso, Javé é o
próprio Deus, Pai de N.S. Jesus Cristo, mesmo que esse fato não seja aceito
pelos judeus.
O mesmo não
acontece com as outras religiões. Neste caso devemos considerar separadamente:
as religiões mitológicas, as grandes religiões orientais e o materialismo ateu.
Denominamos
religiões mitológicas todas aquelas cujas doutrinas, somente nos são acessíveis
através dos mitos e não através do raciocínio abstrato. Entre estas religiões
englobamos as religiões
afras e afro-brasileiras, as religiões dos indígenas australianos, das ilhas
oceânicas, das Américas do sul e do norte e, também as dos antigos povos
europeus como a dos celtas, dos vikings, dos povos germânicos e muitas outras.
De um modo
geral, (embora a generalização seja sempre superficial e até mesmo possa nos
levar ao erro), estes povos acreditam na existência de uma outra dimensão a que
eles chamam espiritual ou mística, para além desta em que
vivemos e que podemos constatar pelos
órgãos do sentido. De certa maneira esta dimensão mística influenciaria na vida
dos homens e em toda a natureza.
O
relacionamento entre a dimensão natural e a mística dar-se-ia através de
pessoas denominadas xamãs, pajés, médiuns, druidas, etc. que em estado de
transe entrariam em contato com seres espirituais ou espíritos de mortos dos
quais obteria favores, inclusive na cura de doenças.
A falta de
uma doutrina mais elaborada faz com que seja possível considerar os indivíduos
pertencentes a estes povos, dependendo de sua boa fé e da retidão de seu
propósito, serem incluídos, invisivelmente no Corpo Místico. Inclusão esta
dependendo, é claro da soberana vontade de Cristo.
Bem mais
difícil é o caso das grandes religiões orientais, entre as quais incluiríamos:
o Islã, o Zoroastrismo, o Hinduismo, o Jainismo, o Budismo, o Sikismo, o
Taoísmo e o Confucionismo.
Em todas essas
religiões encontramos pessoas que ou sejam seus fundadores ou exerçam um papel
proeminente no contexto de cada religião. Num olhar superficial somos tentados
a comparar estes líderes religiosos a Cristo, isto, porém não é exato, pois
como sabemos Cristo é homem e é Deus, enquanto que os demais não possuem a
natureza divina, apenas a humana. Mais exato seria compará-los aos profetas do
antigo judaísmo como Abraão, Moisés ou Elias.
No Islã
encontramos sobranceira a figura de Maomé que se intitula o Mensageiro
(Profeta) de Allah e assim é aceito e
venerado em todo o Islã. Na história do Islamismo muitos foram os que afirmaram
ter tido experiências místicas, mas em nada influenciaram na doutrina. Esta
permanece no que está escrito no Alcorão, livro sagrado inspirado por Deus a
Maomé.
Zaratustra
era o sacerdote do culto dedicado a um determinado ahura. Aos trinta anos enquanto participava de um ritual de
purificação num rio, Zaratustra viu um ser de luz que se apresentou como sendo Vohu Manah (“Bom Pensamento”) e que o
conduziu até à presença de Ahura Mazda (Deus)
e de outros cinco seres luminosos, os Amesha
Spentas. Este foi o primeiro dos encontros que manteve com Ahura Mazda, que lhe revelou a sua
mensagem.
Zaratustra
elevaria Ahura Mazda (Senhor Sábio)
ao estatuto de divindade suprema e única digna de adoração.
O hinduismo
abrange várias crenças religiosas ou não; não possui um único fundador é
baseado em textos religiosos que fornecem um guia prático para a vida
religiosa. Muitos são os textos religiosos, sendo que os antigos Vedas, os que possuem maior
autoridade. No hinduismo encontramos
seis escolas védicas, consideradas ortodoxas.
No
hinduismo não há uma crença num Deus pessoal, mas num espírito cósmico, Brahma.
A religião dos hindus é a busca inata pelo divino dentro do Ser. Para se
libertar da lei do karma que faz com
que o homem seja punido por seus atos maus através de sucessivas reencarnações
e para alcançar a moksha (liberação),
o hindu pratica várias ações de cunho moral e pratica a meditação Yoga.
Para
atingir seus objetivos o hindu procura com Fé a Verdade que ultrapassa os
sentidos corporais e, nos coloca em contato com o todo místico que nos
circunda.
O jainismo
teve a doutrina de sua religião revelada ao longo de várias eras pelos Tirthankaras, almas nascidas como seres
humanos que alcançaram a libertação (moksha)
do ciclo dos renascimentos através da renúncia e que transmitiram os seus
ensinamentos aos homens. O último (24º) destes Tirthankaras foi o Mahavira, que os jainas não consideram como o
fundador do jainismo, mas antes aquele que lhe deu a sua forma atual.
A visão
básica do jainismo é dualista. A matéria e a mônada vital ou jiva são de natureza distinta e o ser
vivente tinge sua mônada como resultado de suas ações. Para se purificar, esta
religião propõe um extremo ascetismo e a pratica da não-violência ou ahimsa.
Siddartha
Gautama, o Buda, nasceu na povoação de Kapilavastu,
situada perto da fronteira indo-nepalesa. Por volta dos 29 anos decidiu
abandonar sua vida de fausto e riqueza e assumiu aquela de um renunciante. Após
muitos anos e não conseguindo a solução para o problema que lhe atormentava. No
fim de uma meditação, sentado debaixo de uma figueira, descobriu a solução para
a libertação do ciclo das existências e da morte. Assim teve início o Budismo.
Os
ensinamentos básicos do budismo são: evitar o mal, fazer o bem e cultivar a
própria mente. O objetivo é o fim do
ciclo de sofrimento, samsara,
despertando no praticante o entendimento da realidade última – o Nirvana. Para atingir estes objetivos
pratica o ascetismo e a meditação.
O Guru
Nanak, fundador do Sikismo, preocupado com os confrontos entre as diversas
religiões, principalmente entre hindus e mulçumanos, procurou chegar a uma
realidade mais além das diferenças entre estas duas religiões, e daí a sua
famosa máxima “Não há hindus, não há muçulmanos”.
A
doutrina básica do sikhismo consiste na crença em um único Deus e nos
ensinamentos dos dez gurus do sikhismo, recolhidas no livro sagrado dos sikhs,
o Guru Granth Sahib, considerado o décimo - primeiro e último Guru.
Para o
sikhismo, Deus é eterno e sem forma, sendo impossível capta-lo em toda a sua
essência. Ele foi o criador do mundo e dos seres humanos e deve ser alvo de
devoção e de amor por parte dos humanos.
Tradicionalmente o Taoísmo é atribuído a três fontes principais:
- o mais antigo,
o mítico ”Imperador Amarelo”.
- o mais famoso, o livro de aforismos místicos, o Tao Te Ching, supostamente escrito por
Lao Tse.
- e o terceiro,
os trabalhos do filósofo Chuang Tse.
No
contexto taoista, “Tao” pode ser entendido como um caminho no espaço-tempo – a
ordem na qual as coisas acontecem.
O
taoísmo enfatiza a espontaneidade ou liberdade da manipulação sócio-cultural
pelas instituições, linguagens e práticas culturais. Espécies naturais seguem
caminhos apropriados a elas, e os seres humanos são uma espécie natural. Viver
espontaneamente, sem grandes questionamentos morais ou filosóficos é próprio do
viver taoista.
O tema
principal do livro “Tao Te Ching” é localizado em seu primeiro provérbio: “O
Tao que pode ser dito não é o Tao Verdadeiro”. O Tao Te Ching situa a origem de
todas as coisas no Tao, que longe do conceito de Deus nas religiões deistas, é
um princípio inimaginável, ininarrável, eterno e absoluto, que não pode ser
compreendido, já que qualquer tentativa de classificá-lo cria uma dicotomia que
não pode existir em algo
Eterno e Absoluto.
Confúcio é o nome latino do pensador chinês
Kung-Fu-Tze, o Mestre Kung. Enquanto o pensamento de Lao Tse se voltava mais
para o misticismo na busca do Tao na vida junto a natureza, Confúcio se
esmerava em compreender as relações sociais e. mais que isso em tornar a
sociedade melhor e mais justa.
Para
alcançar seus objetivos perambulou pelos diversos estados feudais chineses
tentando convencer os governantes a promulgarem leis mais justas, visando a
felicidade dos súditos. Confúcio dava prioridade a educação e a organização dos
estados, embora não descuidasse dos deveres para com os mortos e com os deuses.
Sua doutrina pregava a criação de uma sociedade capaz, culturalmente instruída
e disposta ao bem comum.
Confúcio
deixou muitos discípulos, entre os quais Mêncio, defendia que o homem é bom por
natureza e deve poder desenvolver uma conduta razoável e reta; e, Xun Zi que
recorreu ao verso da moeda para compreender o papel de Confúcio. Ele acreditava
numa natureza perversa do homem, derivada dos mesmos instintos de preservação
dos animais.
Em todas
essas religiões, e ainda em outras que aqui não foram exemplificadas, podemos
constatar as diferenças com que cada uma delas aborda o relacionamento entre o
homem e a realidade dos seres espirituais e de Deus em especial. Diferentes
são as crenças, diferentes são as doutrinas.
Mas, o que
não se pode negar é que em todas elas
existe a crença generalizada na existência de uma realidade além da material,
a qual chamaríamos de espiritual ou mística. Esta realidade é envolvente,
transcendente e ao mesmo tempo imanente.
Neste
momento nos vem a pergunta, como relacionar esta realidade, observando e
respeitando a formulação doutrinária de cada religião, e o Corpo Místico de
Cristo.
Por mais que
raciocinemos não encontraremos a resposta a esta pergunta, porque não estamos
frente a um problema que possa ser resolvido, mas sim perante o mistério do
relacionamento místico. Esta realidade não pertence à esfera do problemático, mas
sim a do misterioso.
A realidade da
esfera mística, pertencendo a esfera do mistério, não comporta soluções, cabe
participar da mesma com Fé e com Amor. Para nós cristãos, é na existência do
Corpo Místico que devemos encontrar o sentido do existir místico, respeitando
sempre as interpretações doutrinárias das demais religiões e com elas
dialogando; sem querer entendê-las ou desvendar seu sentido.
Resta-nos
agora considerar o ateísmo. Hoje em dia, em nossa civilização cada vez mais
dominada pela tecnologia, para muitos homens a idéia de Deus perde sentido e,
eles se declaram ateus. Esta tendência vem crescendo e torna-se um fenômeno
social, antes que casos isolados.
Qual a
relação entre os ateus e o Corpo Místico de Cristo? Quando o ateísmo de uma
pessoa é determinado por uma decisão consciente e livre; não há dúvidas, este
indivíduo está separado, por sua livre vontade, do Corpo Místico.
Porém, nos casos em que o ateísmo é
determinado por causas psíquicas ou, por conjunturas sociais, não há como
sabermos até que ponto deve haver o rompimento com o Corpo Místico.
O Corpo Místico de Cristo é uma realidade maior do que a
inteligência humana pode conceber; mas esta realidade pode ser vivida e
esperenciada através de nossa participação nos Sacramentos.
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