2.
– Quatro Colunas do Pensamento
Contemporâneo
Para prosseguirmos nosso estudo sobre
a relação sujeito-objeto, escolhemos quatro pensadores que nos servirão de
guias. Por que estes e não outros? Já que muitos poderiam ter sido escolhidos,
talvez por afinidade, talvez porque foram estes que mais influenciaram em meu
pensar. Enfim, eu os escolhi e as razões ou não razões de tal escolha o leitor
descobrirá continuando a leitura.
a) Henry Bérgson (18-10-1859/3-1-1941) – O élan vital
Encontrando-se
frente a um objeto ou a um acontecimento, o homem o examina utilizando seu
intelecto e abstraindo do mesmo, objeto ou acontecimento, suas características
essenciais e assim tem um melhor conhecimento do mesmo. Este conhecimento,
porém é abstrato e estático, incapaz de perceber o seu dinamismo criador no
próprio acontecer, porém, capaz de satisfazer ao conhecimento empírico e ao científico.
Para Bérgson, a intuição é o contato
imediato com a realidade em nós. É, em primeiro lugar, o conhecimento do
espírito pelo espírito, mas é também o conhecimento da matéria e da vida, por
também sermos vida e matéria. A metafísica é esse contacto interior imediato
com a realidade.
O conhecimento intuitivo, ao
contrário daquele abstrativo, nos permite ter conhecimento dos fatos no seu
realizar-se, não é estático, mas dinâmico.
Segundo Bérgson, a matéria não está
estendida no espaço, mas a estender-se, O conhecimento intuitivo permite-nos
coincidir com o próprio Élan vital, no qual tudo é movimento, tudo é dinamismo
evolutivo e criador.
Naquela que poderíamos dizer sua
principal obra “Les deux sources de la morale et de la religion”, Bérgson
distingue uma religião estática de uma religião dinâmica. Na primeira forma, a
religião é cristalizada em dogmas, leis, normas, conselhos, rituais,
mandamentos, etc. que servem para orientar os fiéis e manter a estrutura
religiosa livre de acréscimos não ortodoxos, bem como manter a disciplina
necessária para a conservação do edifício religioso.
Na religião dinâmica, embora a
estrutura não seja de todo abandonada, pois um mínimo de estrutura sempre se faz
necessário, o importante é o viver místico que une o homem ao divino. Este
encontro místico pode-se constatar realizado nas mais diversas religiões; no
Hinduismo com seus gurus e renunciantes, no jainismo e no budismo
principalmente com seus monges, na yoga, no sufismo, vertente mística do
maometanismo, no taoísmo, nos profetas do judaísmo e em muitas outras. Bérgson
o constatou principalmente entre os grandes místicos cristãos, um São João da
Cruz ou uma Santa Tereza de Ávila.
Em “Les deux sources...” a intuição
espiritual aparece prolongada na intuição mística. O termo do misticismo é um
contacto, e, portanto uma coincidência parcial com o esforço criador da vida.
Esse esforço “é de Deus, se não é Deus mesmo”. Para os místicos “Deus é amor, e é objeto de
amor”.
b) Martin Buber (8-2-1878 /13-6-1965) – Eu-Tu.
Para Buber o homem não é objeto
recortado entre outros. A categoria que permite apreendê-lo não é a substância,
mas a relação. A noção do “entre” capta a vida dialógica sem deformar a
alteridade constituinte e mostra a reciprocidade interpessoal.
Em seus escritos Buber nos mostra
que entre os pares verbais “eu-tu/eu-isso”; eu-isso está na base na gênese da
objetividade e caracteriza o pensamento com base na noção de substância. É a
base das relações entre o eu e as coisas, mas, muitas vezes, é usada também na
relação com o outro, quando este é coisificado. Nas relações cotidianas em que
o homem assume papéis diversificados, tais como paciente, cliente, transeunte,
usuário entre outros, a relação “eu-isso” é necessária. Também nas ciências
humanas e biológicas esta relação é igualmente necessária.
Eu-tu é o par mais apto para
oferecer o sentido da relação, nele surge a reciprocidade. Quando na presença
do Outro, pronuncio a palavra Tu, este outro salta a frente e torna-se o centro
de minha atenção, neste momento, tudo se relaciona a ele, os demais seres
passam a fazer parte da paisagem, da moldura. A ênfase não é mais na essência
de cada ente, mas na relação. Institui-se um Diálogo entre o Eu e o Tu, mas não
um diálogo qualquer, um diálogo amoroso, criativo e libertador. Diálogo este
que revela o mais profundo do ser de cada um dos dialogantes e de seus relacionamentos, pois
dá lugar a reciprocidade. Neste caso, não objetivamos mais o tu em seus
diferentes papéis, mas o percebemos como uma presença única e pessoal. No
entanto, a relação “eu-tu” se desvanece e logo se degrada numa relação
“eu-isso”.
O filosofar partindo do diálogo e
enfocando em primeiro lugar a relação entre pessoas é mais profundo, criativo e
existencial. Somente assim é que podemos entrar em contato existencial com
Deus, o Tu absoluto. E, se bem compreendi o pensamento de Buber, somente o Tu
eterno permanece sempre, nunca se degradando num “isso”.
Martim Buber considera que a noção
do “entre” capta a vida dialógica, sem deformar a alteridade constituinte e
mostra a reciprocidade interpessoal.
c) Gabriel Marcel (7-12-1889/8-10-1973) Problema e Mistério.
De toda obra marceliana
focalizaremos apenas sua genial distinção entre problema e mistério, tirando as
conclusões que nos parecem adequadas e necessárias para nossa reflexão. Segundo
Marcel, o problema é tudo aquilo que é colocado a nossa frente para ser
resolvido, pode ser simples como os de nossa vida cotidiana; como, se partindo
de nossa casa às 8hs chegaremos a tempo para tomar nossa condução que parte às
10hs da estação rodoviária, ou complexos e difíceis como os problemas da
política econômica, das viagens espaciais ou da nanotecnologia. Mas todas
comportam soluções, embora algumas destas ainda não estejam ao nosso alcance e,
talvez nunca o estejam pela sua grande complexidade.
Nas diversas áreas do conhecimento,
os problemas se apresentam como enigmas, desafios que precisam ser resolvidos
para o progresso da humanidade. Para enfrentar estes desafios e aclarar os
enigmas, o homem conta com sua inteligência capaz de raciocínio. Para os
problemas corriqueiros e cotidianos é suficiente o conhecimento empírico; para
os grandes desafios temos a ciência e a tecnologia.
As viagens interplanetárias cada
dia mais reais; a realidade do mundo subatômico; a descoberta da cura de
diversas doenças; a comunicação, tornando-se cada vez mais abrangente graças a
Internet; o melhor conhecimento da psique humana e tantas outras maravilhas
propiciadas pelo progresso do conhecimento humano, só foram possíveis porque o
homem solucionou problemas que encontrou pela frente.
Mas, a solução de um problema,
traz a tona outro ainda mais complexo a exigir ser solucionado. Não só as
ciências físicas, mas também as biológicas e as humanas encontram seu progresso
no solucionar seus próprios problemas. O mesmo pode ser dito das assim chamadas
ciências normativas, tais como o direito, a ética e a estética.
Mesmo diversas escolas e
tendências filosóficas, tais como, o lógico-positivismo, a lingüística, a
filosofia analítica e quase toda a filosofia anglo americana utilizam o
raciocínio lógico e abstrato, próprio da dimensão problemática da realidade..
O mistério, ao contrario, não
pode ser focalizado de fora como o problema, porque nos envolve, dele
participamos, não comporta soluções porque faz parte de nossa vida. O mistério
propicia um encontro de nós com nós mesmos, com o outro e com Deus. O mistério,
ou o aceitamos e o acolhemos, ou, o recusamos, nunca o solucionamos.
Para Marcel, a dimensão do ter
é o reino do problema, e o que prevalece é a conquista, o domínio, o lucro, o
interesse, etc. Na dimensão do ser reina o mistério, e nela, prevalecem a
fidelidade, a esperança e o amor.
Neste trabalho sobre o Corpo
Místico de Cristo e os sacramentos devemos permanecer na dimensão do mistério,
do diálogo pessoal e amoroso, (eu-tu, na terminologia de Martin Buber) nunca na
dimensão do problema.
d) Teilhard de Chardin (01-5-1881/10-4-1995) Noogènesis.
Com Teilhard de Chardin, as
teorias evolutivas ganharam uma nova dimensão, a espiritual. Antes, somente o
aspecto material, isto é externo da evolução é que era levado em consideração
pelos diversos estudiosos da evolução.
Para Chardin, além de seu
exterior e visível, os entes possuem um aspecto interior, que chamaremos de
dentro da matéria. No fenômeno da evolução, Chardin constata não só a
existência de fôrças ambientais (tangenciais) que estão fora para modificar as
coisas; mas também, de fôrças interiores (radiais) que as conduzem à nova
complexidade.
Segundo Teilhard a evolução não
procede de uma maneira cega e casual, mas tem uma direção e uma meta. É regida
pela lei da complexidade e da conscientização crescente, desde o caos
primordial até o despertar da consciência humana sobre a terra, estágio esse
que será seguido por uma Noogénese, a integração de todo o pensamento humano em
uma única rede inteligente que acrescentará mais uma camada em volta da terra:
a Noosfera, que recobrirá toda a Biosfera terrestre. A orientar todo esse
processo, existe uma força (a energia radial) que age a partir de dentro da
matéria, que orienta a evolução em direção a um ponto de convergência: o Ponto
Ômega.
O cerne do pensamento de
Teilhard de Chardin é a lei da complexidade-consciência, a qual estabelece uma
relação de proporcionalidade entre o grau de organização material dos diversos
seres vivos e o seu nível de interioridade, psiquismo e consciência. À sua luz,
a vida enrola-se sobre si mesma num movimento de interiorização e
espiritualização, do qual o homem, dotado de consciência reflexa, representa o
termo mais elevado que conhecemos. O avanço prossegue para além do homem
individual, na humanidade enrolada também sobre si mesma pelo movimento
contemporâneo da socialização, e, no seu termo, por analogia com o passado,
deixa-se entrever um futuro crescimento de consciência a nível coletivo e
mundial.
Nenhum comentário:
Postar um comentário