4. – Encarnação e Redenção –
Instantes eterno-temporais
Analisada apenas
sob o aspecto histórico-temporal, seria lógico o concluir ser o propósito de a
Encarnação redimir os pecados, e, portanto que a Encarnação teria de certa
maneira sido causada pelo pecado original. No entanto, o limitar-nos ao aspecto
histórico-temporal em nosso estudo sobre a Encarnação e sobre outros
acontecimentos decisivos no desenrolar da História da Salvação, estaríamos no
perigo de interpretá-los de maneira muito superficial.
Se analisarmos a
Encarnação sob o duplo aspecto eterno-temporal,
a posição concorde com a tradição Scotista, que declara a subordinação
da Criação em relação a Encarnação e a independência da Encarnação em relação
ao pecado original, apresenta-se como a mais provável.
Cristo, homem e
Deus, estabelece a relação entre a criatura e o Criador. Cristo, supremo
sacerdote é o único digno de prestar honra e glória ao Criador.
A Encarnação é a
culminação da Criação. Através da Encarnação foi estabelecido o liame entre as
criaturas e o Criador. O homem torna-se digno de prestar honra e glória a Deus
porque foi misticamente incorporado em Cristo, no ato pelo qual este assumiu a
natureza humana.
No Antigo
Testamento, o episódio do Êxodo, constitui-se no episódio central da História
da Salvação, sendo quer o anterior, quer o posterior relacionado com a
libertação do Egito e com o Monte Sinai. Com o Novo Testamento constatamos que
o Êxodo, não fora mais do que um instante decisivo na preparação para o real
centro da História da Salvação; Cristo, sua Encarnação e seu Ato Redentor.
A união mística
existente entre o homem e Cristo, não teve seu início histórico no instante da
Encarnação, se assim fosse, somente aqueles nascidos depois de Cristo poderiam
ser considerados membros do Corpo Místico. É verdade que esta união mística,
foi realizada no momento em que o Verbo assumiu a natureza humana, mas sendo
Cristo Deus e homem, este ato não é simplesmente temporal, mas também e
primariamente Eterno. A união mística é realizada na Eternidade e penetra todo
o temporal.
Ao assumir a
natureza humana, o Verbo elevou-a a um estado de perfeição acima daquele
requerido por sua própria natureza. A Encarnação do Verbo causou a elevação de
toda a humanidade ao estado sobrenatural. Essa elevação é conseqüência da
mística incorporação da humanidade em Cristo, através da comunicação da graça
de Cristo aos homens.
Sendo a
Encarnação o ato primordial, do qual a Criação e a elevação ao sobrenatural
dependem, nada nos impede considerar como provável que o homem tenha sido
criado e elevado à ordem sobrenatural num único instante histórico. Momento em
que o Corpo Místico de Cristo iniciou sua existência temporal.
Sendo a Criação
realizada tendo em vista a Encarnação e sendo o homem elevado a um estado
sobrenatural, ele foi criado misticamente unido ao próprio Deus. Esta união
mística pode-se validamente supor realizada através de Cristo, o elo de união
entre a criatura e o Criador.
Porque
misticamente unido a Cristo, o homem é chamado a uma participação na vida
divina, através do mesmo Cristo. O homem é elevado a um estado de filho adotivo
de Deus, estado que o coloca em relação pessoal com a Trindade.
O pecado
original, ato positivo praticado consciente e livremente, pelo qual o homem
rejeitou o estado de amizade com Deus, trouxe como conseqüência a perda da
graça e o rompimento da mística união com Cristo.
A reconquista
do estado de amizade entre o homem e Deus, somente seria possível se a união
mística fosse restabelecida pelo próprio Cristo. O homem capaz de destruir esta
união, não teria sido capaz de restabelecê-la, porque apenas através do
homem-Deus, o abismo existente, entre Criador e criaturas, poderia ser vencido.
Embora a união
mística tivesse sido destruída pelo homem, através de um ato livre e consciente
de rejeição da amizade divina e, portanto o homem tenha merecido o ser
abandonado por Deus, este, considerando a triste situação em que o homem tinha
voluntariamente se colocado, movido por sua infinita Caridade resolveu
restabelecer a união perdida.
Deus poderia
ter escolhido uma diferente maneira para a Redenção da humanidade, mas querendo
expressar o seu divino amor, ofereceu o seu filho unigênito, a segunda pessoa
da Santíssima Trindade, para ser sacrificado. Assim podemos dizer que o fato da
queda, se não se constituiu na causa da Encarnação do Verbo, indiretamente
ocasionou o sacrifício redentor. Dissemos indiretamente, porque o que
diretamente moveu Cristo a aceitar o Calvário, foi o divino amor e a sua
decisão em cumprir a vontade do Pai.
O Sacrifício
do Calvário, supremo ato de Amor, no qual Cristo morrendo pela salvação da
humanidade restabeleceu a união mística, pode ser considerado o instante
decisivo na Vida de Cristo e na História da Salvação. Assim como a própria
morte é para cada homem o instante decisivo, a morte de Cristo é para o Corpo
Místico o instante decisivo. Instante no qual a salvação se realiza.
Em certo
sentido podemos dizer que para o Corpo Místico, a Redenção é ainda mais
importante que a Encarnação. Na Encarnação a união mística foi realizada, mas,
tendo sido destruída, foi restabelecida definitiva e eternamente na Redenção.
Do mesmo
modo que a Encarnação, a Redenção realizada no tempo é ato eterno, porque ato
de Cristo. Assim Cristo, naquele momento supremo de sua morte, ao assumir os
pecados de toda a humanidade, redimiu a todos os homens incluindo tanto os que
existiram no passado, como os que iriam existir no futuro, da mesma maneira, ao
restabelecer a unidade mística, foram incluídos no Corpo Místico todos os
homens desde a promessa do Messias, feita por Javé a Adão.
Da mesma forma
que embora a salvação tenha caráter Universal, a sua aplicação a cada indivíduo
depende da sua livre aceitação do ato salvífico de Cristo; assim também, embora
o restabelecimento do Corpo Místico, inclua a humanidade como um todo; a
inclusão de cada membro irá depender de sua reincorporação através do batismo
e, a sua permanência no Corpo Místico dependerá de sua união com a Igreja, que
é o Corpo Místico. Através do batismo de desejo implícito e de união invisível
com a Igreja visível, é que muitos podem ser membros do Corpo Místico, sem que
o saibamos.
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