4.- O Sacrifício da Missa –
Perpetuação no histórico do Sacrifício do Calvário.
O sacrifício
da missa é o mesmo sacrifício redentor do Calvário. No Calvário Cristo, o
supremo sacerdote ofereceu a si próprio com vítima sem mácula para a salvação
da humanidade. Na missa é o próprio Cristo, por meio do sacerdote, em seu
místico corpo, que se oferece na hóstia consagrada. Sacrifício cruento no
Calvário, incruento na Santa Missa, é o mesmo e único sacrifício, realizado em
Jerusalém e renovado através do tempo em cada altar existente por toda a terra,
quando o sacerdote repete sobre as espécies do pão e do vinho, as palavras da
consagração.
A morte de
Cristo ocorreu num lugar e num determinado instante. Neste instante
eterno-temporal, a salvação da humanidade foi realizada no presente da história
e no presente eterno. No eterno, todas as dimensões espaciais e todos os
instantes temporais se concentram num único presente-eterno. Assim, acontecimentos
vividos em diversos momentos da história e realizados em diferentes lugares,
sob diferentes aspectos podem ser numericamente reduzidos a um único
acontecimento, caso estes acontecimentos não sejam meramente temporais, mas
eterno-temporais e caso os mesmos estejam relacionados entre si. Neste caso,
sob o aspecto histórico eles permanecem diversos e múltiplos, mas sob o aspecto
eterno seriam reduzidos a um único acontecimento central, do qual os demais
seriam participação, mas participação real e existencial.
Baseados nas
considerações acima, nós consideraremos a relação mística de participação,
existente entre o Calvário e a Liturgia. Antes, porém, queremos nos referir
brevemente aqueles acontecimentos que na sucessão histórica antecederam ou
resultaram imediatamente da Morte de Cristo, ou seja, sua Paixão e
Ressurreição.
Cristo,
verdadeiro homem, escolheu morrer em virtude dos sofrimentos que lhe foram
causados pelos homens; verdadeiro Deus escolheu vencer a morte pela Ressurreição.
Os sofrimentos da paixão constituem a causa física da morte de Cristo; sua
Ressurreição é conseqüência lógica de sua morte, pois sedo Deus, não teria sido
possível o ser vencido pela morte.
No momento de
sua morte, toda a sua existência e, particularmente, toda a sua paixão foi
assumida consciente e livremente e oferecida em holocausto para a salvação da
humanidade; neste mesmo instante, a Ressurreição e a existência posterior, já
se encontravam presentes, pois Cristo, homem e Deus, ao morrer vencia a morte.
Assim, ao referirmo-nos ao ato Redentor, implicitamente estamos nos referindo
também a Paixão e a Ressurreição.
É através da
liturgia e em particular da liturgia eucarística, que Cristo, homem e Deus,
continua a existir no temporal; que os mistérios da Paixão, Morte e
Ressurreição do Salvador permanecem presentes no seio do Corpo Místico,
permitindo que seus membros ao participarem da liturgia, participem
misticamente no próprio sacrifício redentor, oferecido no Calvário por aquele
que é a cabeça do Corpo Místico.
Antes de ser
entregue aos juízes para ser julgado e condenado, Cristo celebrou com seus
apóstolos no Cenáculo a páscoa judaica e, durante esta celebração instituiu o
sacramento da Eucaristia, perpetuando assim sua presença física no desenrolar
da história.
É
significativo o fato de que Cristo escolheu a ocasião da celebração da Páscoa
judaica para a instituição da Eucaristia; a Ceia Pascal constitui o ato central
da liturgia judaica, participando da Páscoa, ao consumir o Cordeiro Pascal, os
israelitas tornam presentes através da liturgia, o episódio central da Antiga
Aliança, ou seja, o Êxodo.
Esta celebração
litúrgica não consiste apenas em simples solenidade para trazer à memória
aquele acontecimento passado, pelo qual Javé libertou os israelitas do Egito,
mas torna presente misticamente a passagem do mar Vermelho, unindo aqueles que
celebraram a Páscoa com aqueles que participaram do Êxodo, estendendo os frutos
da libertação do Egito, aos israelitas existentes em épocas posteriores a
Moisés.
Além disso, a
celebração da Páscoa é prefiguração de um acontecimento infinitivamente mais
importante e decisivo para a História da Salvação que aquele do Êxodo, ou seja,
o Calvário.
Assim como a
instituição da ceia Pascal precedeu a libertação do Egito, assim também a instituição
da Eucaristia precedeu a libertação do pecado e da morte.
A instituição
da Eucaristia, durante a comemoração da Páscoa judaica significa ao mesmo tempo
a abolição da Antiga Aliança, substituída pela Nova e, a ligação existente
entre os dois testamentos, sendo o Antigo, preparação e o Novo, realização.
A prefiguração
da Eucaristia no Antigo Testamento é evidente. Melquidesec oferece pão e vinho;
pão e vinho são oferecidos pelo sacerdote na missa. O cordeiro pascal, símbolo
da Antiga Aliança é prefiguração da Nova; Cristo é o cordeiro de Deus imolado
pela redenção dos pecados. No deserto os israelitas foram alimentados pelo
maná; os cristãos são alimentados pelo pão espiritual que é Cristo. O que foi
prefigurado no Antigo Testamento, particularmente na Ceia Pascal, é realizado
no novo Testamento.
Quando
dissemos que a celebração litúrgica da Ceia Pascal, torna misticamente presente
a libertação do Egito, esta afirmação é correta se entendida no sentido de que unindo
misticamente os participantes da liturgia pascal com os participantes do Êxodo,
faz com que os primeiros participem dos frutos da libertação e da apropriação
do povo israelita por Javé.
Ao
afirmarmos que a celebração litúrgica do sacramento eucarístico torna
misticamente presente o sacrifício redentor do Calvário, esta afirmação deve
ser entendida numa maneira muito mais profunda e perfeita. No sacrifício da
Missa, não só somos unidos misticamente a Cristo no Calvário e participamos do
fruto do ato redentor, mas é o próprio sacrifício do Calvário que numa maneira
incruenta é realizado quando Cristo assume as aparências de pão e vinho no
momento da consagração.
Na missa, o
sacrifício de Cristo está presente. Não
um novo sacrifício que se repete cada vez que uma missa é celebrada, não uma
simples rememoração do sacrifício do Calvário; mas, é o próprio sacrifício do
Calvário, que oferecido cruentamente uma vez, é oferecido, incruentamente,
muitas vezes durante a história salvífica.
A
multiplicidade das missas, não impede que todas elas estejam de tal modo unidas
com a Cruz, que com esta formem um único sacrifício redentor. A multiplicidade
é devida ao aspecto temporal, sob o qual percebemos a realização deste mesmo
sacrifício, a unidade é devida ao aspecto eterno, sob o qual este sacrifício,
conquanto histórico é realizado também na eternidade.
Cristo
redimiu a humanidade através de um único ato, pelo qual ele ofereceu na cruz em
holocausto a si próprio. Através desse ato, eterno-temporal porque realizado
pelo homem-Deus, toda a humanidade foi remida e foi reestabelecida a união
mística. Cristo quis perpetuar no temporal o seu sacrifício e assim permanecer
sacramentalmente no seio do seu Corpo Místico, para isso Ele instituiu o
Sacramento Eucarístico, que é o centro da liturgia.
Não é
apenas através da missa que somos misticamente unidos ao Calvário, mas é
através da missa que esta união é realizada mais completa e perfeitamente.
Todos os
atos litúrgicos centralizam-se na e relacionam-se com a santa missa. Assim,
todos os demais atos litúrgicos estão em diferentes modos, unidos misticamente
com o Calvário. Podemos mesmo dizer, que os atos litúrgicos judaicos realizados
sob a antiga aliança, também se encontram misticamente unidos ao Calvário. A
celebração da Ceia Pascal, por exemplo, além de ser prefigurativa da santa
missa, é rememoração do Êxodo, que por sua vez é prefigurativo do Calvário.
Pelo Batismo, somos incorporados no
Corpo Místico de Cristo, e segundo S. Paulo ao sermos batizados participamos da
morte de Cristo, para com ele sermos ressuscitados. Na confissão, quando o
sacerdote nos perdoa, é Cristo que nos perdoa, ‘Pai perdoai-os porque não sabem o que fazem’. O sacerdote é
ordenado para participar no sacerdócio supremo de Cristo, e Cristo exerceu seu
sacerdócio no madeiro da Cruz.
Através
da leitura do Evangelho na missa, somos colocados em contato com certos fatos
da existência temporal de Cristo. Esta existência atingiu seu ponto culminante
no Calvário, quando esta existência foi assumida por Cristo em sua inteireza e
como tal oferecida ao Pai para nossa salvação. As leituras do Antigo Testamento
colocam-nos em contato com acontecimentos que estão relacionados com a
preparação da vinda do Messias e, portanto com o próprio Messias.
Finalmente, os atos litúrgicos são atos executados e oferecidos ao Pai
pelo próprio Cristo, em união com seu Corpo Místico. Participando desses atos,
estamos participando de diferentes maneiras e com diferentes intensidades do
sacerdócio de Cristo, e, portanto, participando no oferecimento do Sacrifício
do Calvário que é quando Cristo exerce de maneira completa e perfeita o seu
caráter sacerdotal.
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