7. – Sofrimento e Libertação
A vida dos grandes
fundadores religiosos, normalmente, está envolta em lendas. É o que acontece
com Buda.
Conta-se que o pai
de Siddartha Gautama, o rei do clã dos Sâkia, num pequeno reino que viria a ser
o sul do Nepal atual e cuja capital era Kapilavastu desejando que o filho
perfaça o comportamento próprio de sua casta, isola-o numa vida de prazer ao
abrigo do sinistro espetáculo do mundo.
Siddartha ao sair
de um dos seus palácios acompanhado do cocheiro, tem sucessivamente os quatro
encontros decisivos, primeiro com um velho abandonado pelos seus, depois com um
doente, a seguir com um cortejo funerário e finalmente com um renunciante, um
asceta que abandonou as prerrogativas da sua casta, o seu lugar no mundo, para
partir à procura da libertação. (cf. Jean-Noël Robert – artigo O Budismo do
livro As grandes religiões do mundo)
A partir desses
encontros Siddartha se conscientizou de como sua vida era artificial e da
existência do sofrimento e da dor no mundo real; decidiu então abandonar suas
riquezas e privilégios para encontrar a solução para o problema angustiante do
sofrimento e de como conseguir o alívio e a liberação deste mesmo sofrimento
para todos os homens. Para conseguir seu objetivo, tornou-se renunciante, mas,
após alguns anos desta vida de sacrifício e de renúncia, vendo não ser esta a
solução decidiu abandoná-la.
Meditando debaixo
de uma figueira encontrou a solução para o que o afligia e tornou-se Buda – o iluminado. Buda não é apenas um
iluminado, mas também um iluminado que, pela sua pregação, ensina os outros a
atingirem por sua vez a iluminação.
Em seu ensino
Buda nos fala das quatro nobres verdades que, resumidamente podemos assim
relata-las com nossas próprias palavras:
- primeira, a
existência do sofrimento que é envolvente e universal;
- segunda, a
causa do sofrimento que é o desejo que condiciona a nossa vida;
- terceira, a
cessação do sofrimento que é o deixar de desejar, seja o que é mau, seja o que
é bom;
- quarta, os
meios para alcançar a cessação do sofrimento, estes meios conforme os
ensinamentos de Buda são; a visão correta, a representação correta, a palavra
correta, a atividade correta, o modo de vida correto, a aplicação correta, a presença
de espírito correta e a concentração correta.
Os ensinamentos
de Buda foram denominados budismo. O budismo é um método de Liberação; um
sistema de progressivo treinamento ético e mental para despertar a verdadeira
realidade através da aquisição da mais alta sabedoria. É, sobretudo, um
ensinamento para conduzir o ser humano para além do sofrimento.
O objetivo do
Budismo é o fim do ciclo de sofrimento, “samsara”,
despertando no praticante o entendimento da realidade última – “o Nirvana”.
Mas, não foi
somente Buda que se tornou consciente da realidade abrangente e perversa do
sofrimento neste mundo. Podemos mesmo dizer que todos os homens deste fato são
conscientes, entretanto, Buda passou toda a sua vida tentando compreender e
explicar as causas e o porquê do sofrimento e tentando ainda encontrar um
caminho para libertar os homens de sua tirania. Outros também o tentaram, mas,
nos contentaremos agora em apresentar a visão cristã a respeito do mesmo.
Para o cristianismo a existência do sofrimento
é indiscutível, não tem como elimina-lo totalmente ou, dele fugirmos. O que nos
resta é torná-lo meritório e, assim fazer com que o próprio sofrimento nos
ajude a alcançar a Libertação.
A Fé cristã
nos diz que Cristo é o próprio filho de Deus encarnado e, nisto acreditamos
piamente. Ora, Cristo não fugiu do sofrimento, nem o iludiu, mas, aceitou-o,
aceitando a paixão e a morte de Cruz. Foi através de sua morte, com todo o
sofrimento, que Cristo nos alcançou a Salvação e o perdão de nossos pecados.
Aceitar,
enfrentar e vencer o sofrimento engrandece o homem mesmo em atividades
cotidianas ou sociais: o soldado na guerra, o atleta no esporte, o profissional
em seu trabalho, etc. todos enfrentam sofrimentos para conseguirem seus
objetivos.
Como disse o poeta:
“Quem
passou pela vida e não sofreu
Foi espectro de homem,
não foi homem
Passou pela vida, não
viveu.”
Se pensarmos agora no valor
espiritual do sofrimento e, pensando em sua dimensão mística podemos dizer que
o sofrimento aceito sem revolta e com resignação (não passividade, mas
aceitação da vontade de Deus) pode ser relacionado com o sofrimento de Cristo e
tornar-se meritório.
É por sermos
membros do Corpo Místico que até mesmo o sofrimento pode atrair a graça de
Cristo, não só para nós mesmos, mas também para nossos irmãos.
Com a
finalidade de consagrar nosso sofrimento ao sofrimento de Cristo a Igreja
instituiu o Sacramento da Unção dos Enfermos. Num passado recente este
sacramento era também chamado de extrema unção, pois era ministrado apenas em
doenças graves, nas quais o doente encontrava-se em perigo de vida. Muitos
consideravam erradamente este sacramento como uma preparação para a morte.
Hoje este
sacramento, pelo menos como extrema unção é desvalorizado e, poucos chamam o
padre para ministrarem-no ao doente ou esperam que o doente perca a consciência
para chamar o sacerdote. Santa ignorância! Muitos morrem sem receber o
sacramento, ou por terem morrido em desastre, ou de repente, ou por terem sido
assassinados. Como no batismo, não poderíamos ter a unção dos enfermos de
desejo explicito ou implícito?
Para o Budismo
e para outras religiões, o sofrimento apenas apresenta um aspecto negativo;
para o cristianismo este aspecto negativo também é reconhecido, mas pode
torna-se meritório e, em lugar de causar nossa infelicidade e nossa perdição,
pode contribuir para nossa Libertação. Isto se pode constatar na vida de muitas
pessoas, mas o mais evidente é quando nos deparamos com o exemplo dos mártires.
Consolar
nosso próximo pelo seu sofrimento é ato meritório; tentar diminuir, ou mesmo
eliminar, a injustiça que campeia em nossa sociedade, também o é. Mas, não nos
iludamos acabar com todo o sofrimento do mundo é tarefa inglória. Podemos sim
tentar diminuí-lo para tornar nosso mundo melhor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário