7. – A sobre naturalização
da natureza humana
Quando
falamos acerca da elevação ao sobrenatural do homem, devemos evitar duas
interpretações não apenas superficiais como também errôneas. A primeira seria
pensar que a natureza humana tendo sido elevada ao sobrenatural, teria sido
essencialmente modificada; a segunda seria pensar que no ato da elevação teria
sido acrescentada à natureza humana, uma nova natureza, a que chamaríamos
sobrenatureza; não importando o considerarmos a sobrenatureza como outra substância,
como quase-substância ou simples acidente.
A natureza
humana ao ser elevada a ordem sobrenatural, permanece sendo a mesma natureza
humana, capaz das mesmas ações do que antes de sua elevação, permanecendo
dotada de consciência e liberdade e limitada pelas mesmas condições de
espaço-temporalidade, mundanidade, sociabilidade, historicidade, etc. Não
obstante, podemos dizer que a natureza humana, tendo sido elevada ao
sobrenatural passa por profunda transformação, que se constitui precisamente na
incorporação dos homens em Cristo, tornando-os participantes da existência de
Cristo, através da Graça.
A Graça de
Cristo penetra toda a natureza humana, elevando-a totalmente desde o seu
interior e tornando os homens capazes de ao realizarem os mesmos atos de que
seriam capazes por sua própria natureza
participarem misticamente dos próprios atos de Cristo e, por esta razão
tornarem seus atos dignos de serem oferecidos ao Pai Eterno.
Vemos,
portanto que a graça de Cristo, elevando a humanidade à ordem sobrenatural,
nada acrescenta a natureza humana, nem a modifica, mas, simplesmente une os
homens ao próprio Cristo e em conseqüência dotando a existência humana de uma
dimensão eterna, pois como vimos anteriormente, Cristo Deus e homem é ser
eterno-temporal. Assim sendo, participando os homens na existência de Cristo,
participam também na sua eternidade.
Assim,
enquanto nos limites da natureza humana, os atos do homem são limitados a
dimensão espácio-temporal, o homem elevado ao sobrenatural, ao performar estes
mesmos atos, decide o seu próprio ser, não apenas em relação ao
espácio-temporal, mas também em relação ao eterno.
O homem por
um ato positivo de amor a Deus, ou por um ato negativo de rejeição ao Criador,
pode decidir sua salvação ou sua perdição. O homem, porque elevado ao
sobrenatural é capaz de participar através de Cristo e em Cristo da própria
existência da Santíssima Trindade, mas, permanece livre para recusar essa mesma
participação, e neste caso merecer a eterna separação de Deus, com todos os
sofrimentos provenientes de sua ingratidão. Sem a elevação ao sobrenatural, a
simples separação entre os homens e Deus, num plano puramente natural, não
seria dolorosa; mas, desde que o homem é elevado ao sobrenatural e incorporado
a Cristo, sua separação apenas é possível através de ato de orgulho levando a
definitiva recusa da amizade de Deus, o que torna o homem culpado e responsável
por esta separação. É esta responsabilidade e esta culpabilidade que torna a
separação do Corpo Místico merecedora de castigo e sofrimento.
A união de
cada homem com Cristo, através da Graça, faz com que todos os homens participem
da mesma existência divina, por conseguinte, a união mística não somente une
cada indivíduo a Cristo, mas une entre si todos os homens. Esta união respeita
a personalidade de cada indivíduo, pois a união mística necessariamente
refere-se a união entre pessoas, além do
que a Graça ao elevar os homens ao sobrenatural não modifica a essência dos
mesmos, apenas os une entre si em Cristo e com Cristo, dando a natureza humana
uma nova dignidade e dotando-a de uma nova dimensão, a Eterna.
Não obstante
a união mística fazer com que atos praticados por um único membro, tenham
influência em todo o corpo místico, não limita a liberdade de cada membro. É,
em virtude da íntima união mística existente entre os homens, que atos de
virtude e orações podem contribuir para a conversão dos pecadores; por outro
lado, pecados, mesmo cometidos no interior da consciência, têm efeitos
maléficos em todo o corpo místico, a ponto de causar a morte de Cristo na Cruz.
A conversão
dos pagãos, o aumento das vocações sacerdotais, o aprofundamento da doutrina
cristã e mesmo acontecimentos aparentemente exteriores a vida da Igreja, como o
desenvolvimento da ciência, o estabelecimento da paz universal e outros,
dependem muito mais de atos virtuosos, de sacrifícios, de orações, etc. do que
pode parecer.
Por outro lado guerras, epidemias, tsunamis,
terremotos, etc., dependem menos das forças da natureza do que da malícia do
pecado. Caso o homem pecasse menos, já teria descoberto como controlar essas
mesmo forças da natureza.
Sendo todos
os homens unidos a Cristo e participantes da mesma vida divina, podemos dizer
que essencialmente, não existe qualquer diferença entre os grandes místicos e o
homem comum. Todos os homens são místicos, pois misticismo nada mais é que
participação na vida divina. Porém se todos os homens são místicos, o
misticismo de cada homem varia de acordo com a intensidade pela qual cada homem
participe da vida de Cristo. Os grandes pecadores e os grandes místicos são
apenas dois extremos da escala de participação mística em Cristo.
A união
mística, embora realizada também no espácio-temporal, é essencialmente união de
caráter eterno; é através da mística participação em Cristo que o homem é capaz
de atos cujas conseqüências não se limitam ao temporal, mas atingem a toda a
eternidade. Por esta razão aqueles que pela morte, deixam de existir no
temporal e passam a existir na eternidade, continuam a pertencerem ao Corpo
Místico de Cristo, com exceção, é evidente, daqueles que escolheram sua própria
exclusão.
Na existência do após-morte, a união mística e a elevação ao
sobrenatural, são percebidas mais claramente do que o são durante nosso
caminhar temporal, durante o qual tudo o que se refere ao Eterno, nos aparece
envolto na obscuridade.
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